As cotas para negros: por que mudei de opinião por William Douglas, juiz federal (RJ)
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por: William Douglas
William Douglas, juiz federal (RJ), mestre em Direito (UGF), especialista em Políticas Públicas e Governo (EPPG/UFRJ), professor e escritor.
“Roberto Lyra, Promotor de Justiça, um dos autores do Código Penal de 1940, ao lado de Alcântara Machado e Nelson Hungria, recomendava aos colegas de Ministério Público que “antes de se pedir a prisão de alguém deveria se passar um dia na cadeia”. Gênio, visionário e à frente de seu tempo, Lyra informava que apenas a experiência viva permite compreender bem uma situação.
Quem procurar meus artigos, verá que no início era contra as cotas para negros, defendendo – com boas razões, eu creio – que seria mais razoável e menos complicado reservá-las apenas para os oriundos de escolas públicas. Escrevo hoje para dizer que não penso mais assim. As cotas para negros também devem existir. E digo mais: a urgência de sua consolidação e aperfeiçoamento é extraordinária.
Embora juiz federal, não me valerei de argumentos jurídicos. A Constituição da República é pródiga em planos de igualdade, de correção de injustiças, de construção de uma sociedade mais justa. Quem quiser, nela encontrará todos os fundamentos que precisa. A Constituição de 1988 pode ser usada como se queira, mas me parece evidente que a sua intenção é, de fato, tornar esse país melhor e mais decente. Desde sempre as leis reservaram privilégios para os abastados, não sendo de se exasperarem as classes dominantes se, umas poucas vezes ao menos, sesmarias, capitanias hereditárias, cartórios e financiamentos se dirigirem aos mais necessitados.
Não me valerei de argumentos técnicos nem jurídicos dado que ambos os lados os têm em boa monta, e o valor pessoal e a competência dos contendores desse assunto comprovam que há gente de bem, capaz, bem intencionada, honesta e com bons fundamentos dos dois lados da cerca: os que querem as cotas para negros, e os que a rejeitam, todos com bons argumentos.
Por isso, em texto simples, quero deixar clara minha posição como homem, cristão, cidadão, juiz, professor, “guru dos concursos” e qualquer outro adjetivo a que me proponha: as cotas para negros devem ser mantidas e aperfeiçoadas. E meu melhor argumento para isso é o aquele que me convenceu a trocar de lado: “passar um dia na cadeia”. Professor de técnicas de estudo, há nove anos venho fazendo palestras gratuitas sobre como passar no vestibular para a EDUCAFRO, pré-vestibular para negros e carentes.
Mesmo sendo, por ideologia, contra um pré-vestibular “para negros”, aceitei convite para aulas como voluntário naquela ONG por entender que isso seria uma contribuição que poderia ajudar, ou seja, aulas, doação de livros, incentivo. Sempre foi complicado chegar lá e dizer minha antiga opinião contra cotas para negros, mas fazia minha parte com as aulas e livros. E nessa convivência fui descobrindo que se ser pobre é um problema, ser pobre e negro é um problema maior ainda.
Meu pai foi lavrador até seus 19 anos, minha mãe operária de “chão de fábrica”, fui pobre quando menino, remediado quando adolescente. Nada foi fácil, e não cheguei a juiz federal, a 350.000 livros vendidos e a fazer palestras para mais de 750.000 pessoas por um caminho curto, nem fácil. Sei o que é não ter dinheiro, nem portas, nem espaço. Mas tive heróis que me abriram a picada nesse matagal onde passei. E conheço outros heróis, negros, que chegaram longe, como Benedito Gonçalves, Ministro do STJ, Angelina Siqueira, juíza federal. Conheço vários heróis, negros, do Supremo à portaria de meu prédio.
Apenas não acho que temos que exigir heroísmo de cada menino pobre e negro desse país. Minha filha, loura e de olhos claros, estuda há três anos num colégio onde não há um aluno negro sequer, onde há brinquedos, professores bem remunerados, aulas de tudo; sua similar negra, filha de minha empregada, e com a mesma idade, entrou na escola esse ano, escola sem professores, sem carteiras, com banheiro quebrado.
Minha filha tem psicóloga para ajudar a lidar com a separação dos pais, foi à Disney, tem aulas de Ballet. A outra, nada, tem um quintal de barro, viagens mais curtas. A filha da empregada, que ajudo quanto posso, visitou minha casa e saiu com o sonho de ter seu próprio quarto, coisa que lhe passou na cabeça quando viu o quarto de minha filha, lindo, decorado, com armário inundado de roupas de princesa. Toda menina é uma princesa, mas há poucas das princesas negras com vestidos compatíveis, e armários, e escolas compatíveis, nesse país imenso. A princesa negra disse para sua mãe que iria orar para Deus pedindo um quarto só para ela, e eu me incomodei por lembrar que Deus ainda insiste em que usemos nossas mãos humanas para fazer Sua Justiça. Sei que Deus espera que eu, seu filho, ajude nesse assunto. E se não cresse em Deus como creio, saberia que com ou sem um ser divino nessa história, esse assunto não está bem resolvido. O assunto demanda de todos nós uma posição consistente, uma que não se prenda apenas à teorias e comece a resolver logo os fatos do cotidiano: faltam quartos e escolas boas para as princesas negras, e também para os príncipes dessa cor de pele.
Não que tenha nada contra o bem estar da minha menina: os avós e os pais dela deram (e dão) muito duro para ela ter isso. Apenas não acho justo nem honesto que lá na frente, daqui a uma década de desigualdade, ambas sejam exigidas da mesma forma. Eu direi para minha filha que a sua similar mais pobre deve ter alguma contrapartida para entrar na faculdade. Não seria igualdade nem honesto tratar as duas da mesma forma só ao completarem quinze anos, mas sim uma desmesurada e cruel maldade, para não escolher palavras mais adequadas.
Não se diga que possamos deixar isso para ser resolvido só no ensino fundamental e médio. É quase como não fazer nada e dizer que tudo se resolverá um dia, aos poucos. Já estamos com duzentos anos de espera por dias mais igualitários. Os pobres sempre foram tratados à margem. O caso é urgente: vamos enfrentar o problema no ensino fundamental, médio, cotas, universidade, distribuição de renda, tributação mais justa e assim por diante. Não podemos adiar nada, nem aguardar nem um pouco.
Foi vendo meninos e meninas negros, e negros e pobres, tentando uma chance, sofrendo, brilhando nos olhos uma esperança incômoda diante de tantas agruras, que fui mudando minha opinião. Não foram argumentos jurídicos, embora eu os conheça, foi passar não um, mas vários “dias na cadeia”. Na cadeia deles, os pobres, lugar de onde vieram meus pais, de um lugar que experimentei um pouco só quando mais moço. De onde eles vêm, as cotas fazem todo sentido.
Se alguém discorda das cotas, me perdoe, mas não devem faze-lo olhando os livros e teses, ou seus temores. Livros, teses, doutrinas e leis servem a qualquer coisa, até ao nazismo. Temores apenas toldam a visão serena. Para quem é contra, com respeito, recomendo um dia “na cadeia”. Um dia de palestra para quatro mil pobres, brancos e negros, onde se vê a esperança tomar forma e precisar de ajuda. Convido todos que são contra as cotas a passar conosco, brancos e negros, uma tarde num cursinho pré-vestibular para quem não tem pão, passagem, escola, psicólogo, cursinho de inglês, ballet, nem coisa parecida, inclusive professores de todas as matérias no ensino médio.
Se você é contra as cotas para negros, eu o respeito. Aliás, também fui contra por muito tempo. Mas peço uma reflexão nessa semana: na escola, no bairro, no restaurante, nos lugares que freqüenta, repare quantos negros existem ao seu lado, em condições de igualdade (não vale porteiro, motorista, servente ou coisa parecida). Se há poucos negros ao seu redor, me perdoe, mas você precisa “passar um dia na cadeia” antes de firmar uma posição coerente não com as teorias (elas servem pra tudo), mas com a realidade desse país. Com nossa realidade urgente. Nada me convenceu, amigos, senão a realidade, senão os meninos e meninas querendo estudar ao invés de qualquer outra coisa, querendo vencer, querendo uma chance.
Ah, sim, “os negros vão atrapalhar a universidade, baixar seu nível”, conheço esse argumento e ele sempre me preocupou, confesso. Mas os cotistas já mostraram que sua média de notas é maior, e menor a média de faltas do que as de quem nunca precisou das cotas. Curiosamente, negros ricos e não cotistas faltam mais às aulas do que negros pobres que precisaram das cotas. A explicação é simples: apesar de tudo a menos por tanto tempo, e talvez por isso, eles se agarram com tanta fé e garra ao pouco que lhe dão, que suas notas são melhores do que a média de quem não teve tanta dificuldade para pavimentar seu chão. Somos todos humanos, e todos frágeis e toscos: apenas precisamos dar chance para todos.
Precisamos confirmar as cotas para negros e para os oriundos da escola pública. Temos que podemos considerar não apenas os deficientes físicos (o que todo mundo aceita), mas também os econômicos, e dar a eles uma oportunidade de igualdade, uma contrapartida para caminharem com seus co-irmãos de raça (humana) e seus concidadãos, de um país que se quer solidário, igualitário, plural e democrático. Não podemos ter tanta paciência para resolver a discriminação racial que existe na prática: vamos dar saltos ao invés de rastejar em direção a políticas afirmativas de uma nova realidade.
Se você não concorda, respeito, mas só se você passar um dia conosco “na cadeia”. Vendo e sentindo o que você verá e sentirá naquele meio, ou você sairá concordando conosco, ou ao menos sem tanta convicção contra o que estamos querendo: igualdade de oportunidades, ou ao menos uma chance. Não para minha filha, ou a sua, elas não precisarão ser heroínas e nós já conseguimos para elas uma estrada. Queremos um caminho para passar quem não está tendo chance alguma, ao menos chance honesta. Daqui a alguns poucos anos, se vierem as cotas, a realidade será outra. Uma melhor. E queremos você conosco nessa história.
Não creio que esse mundo seja seguro para minha filha, que tem tudo, se ele não for ao menos um pouco mais justo para com os filhos dos outros, que talvez não tenham tido minha sorte. Talvez seus filhos tenham tudo, mas tudo não basta se os filhos dos outros não tiverem alguma coisa. Seja como for, por ideal, egoísmo (de proteger o mundo onde vão morar nossos filhos), ou por passar alguns dias por ano “na cadeia” com meninos pobres, negros, amarelos, pardos, brancos, é que aposto meus olhos azuis dizendo que precisamos das cotas, agora.
E, claro, financiar os meninos pobres, negros, pardos, amarelos e brancos, para que estudem e pelo conhecimento mudem sua história, e a do nosso país comum pois, afinal de contas, moraremos todos naquilo que estamos construindo.
Então, como diria Roberto Lyra, em uma de suas falas, “O sol nascerá para todos. Todos dirão – nós – e não – eu. E amarão ao próximo por amor próprio. Cada um repetirá: possuo o que dei. Curvemo-nos ante a aurora da verdade dita pela beleza, da justiça expressa pelo amor.”
Justiça expressa pelo amor e pela experiência, não pelas teses. As cotas são justas, honestas, solidárias, necessárias. E, mais que tudo, urgentes. Ou fique a favor, ou pelo menos visite a cadeia.”
Fonte: Magazine Brasil
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por Afropress
S. Paulo – O projeto de cotas raciais do Governo do Estado para as Universidades públicas de S. Paulo, lançado pelo governador Geraldo Alckmin, representa “uma forte vitória do movimento social e jogar esta conquista no lixo seria uma falta de visão”. A opinião é do diretor executivo da Educafro, Frei David Raimundo dos Santos, para quem os grupos que estão adotando posição contrária, como a Frente Pró-Cotas Raciais, o fazem “porque é bonito ser contra”.
Frei David atribui responsabilidade a posição desses grupos ao próprio Governo Estadual “que ainda não revelou para a sociedade o projeto na íntegra”. “O conteúdo divulgado deixa interrogações e estas interrogações dão aos que são contra muito combustível para fazer manipulações com pessoas e entidades de boa fé”, assinalou.
Nesta terça-feira (05/02), a partir das 18h, haverá reunião no auditório da FATEC do Metrô Tiradentes para discutir o projeto, com a presença do coordenador geral das políticas de inclusão nas Universidades e Reitor da Univesp, Carlos Vogt. A reunião acontece, no mesmo dia e quase no mesmo horário em que a “Frente dos contra” realiza uma plenária, a partir das 19h, na Câmara Municipal, reunindo lideranças dos movimentos popular e negro e de partidos políticos de oposição.
Há cerca de 15 dias Afropress encaminhou a um dos líderes da Frente, o professor de história Douglas Belchior, da Uneafro – entidade que surgiu de uma dissidência da Educafro – a pergunta do porque a Frente Pró-cotas é contra o projeto. Belchior encaminhou três textos de acadêmicos, de autoria de Denis de Oliveira, Marcos Orione e Silvio Almeida, sem autorização dos mesmos para postagem e acrescentou. “Te respondo a tarde, mano”. A resposta nunca chegou.
Bandeira de partido
Frei David cobrou que os que se opõem ao projeto se dispam da “bandeira de seu partido” e compareçam a reunião “revestidos da importância história deste momento”. “Todas as entidades devem ir para lá com o espírito propositivo de ajudar o Governo a perceber onde pode melhorar na implantação do projeto”, afirmou.
Ele também defendeu a proposta do modelo “college”, que prevê uma etapa intermediária para os alunos da rede pública negros e pobres, que não conseguirem atingir a nota mínima de sete. “Se eu fosse um aluno negro, da rede pública interessado em Medicina, iria fazer do “college” o melhor pré-vestibular do mundo. Ele vai me possibilitar conquistar uma vaga num curso disputado e cobiçado sem fazer o vestibular injusto. Porque alguns militantes não conseguem enxergar esta vantagem? Será que é uma oposição só porque é o PSDB?”, questiona.
O frei, por outro lado, não poupou críticas aos Governos Alckmin e da Presidente Dilma Rousseff que, segundo afirma, “estão em cima do muro” na proposta de adoção de cotas no serviço público. “O Governo Alckmin e o Governo Dilma, nesta pauta específica de cotas para negros no Serviço Público ainda estão em cima do muro. Até o DEM de ACM Neto já saiu do muro”, acrescenta.
Confira, na íntegra, a entrevista com o Frei David.
Afropress - O senhor pode nos dizer porque o projeto do Governo do Estado deve ser aprovado e apoiado por quem defende as cotas raciais no acesso à Universidade?
Frei David Raimundo dos Santos - Todos os que defendemos as cotas lutamos intensamente desde os anos 90 pela inclusão dos negros, pobres e indígenas na USP, UNESP e UNICAMP. Sabemos o quanto estas Universidades têm uma visão elitizada da Educação. Foram sempre fechadas a esta possibilidade.
O projeto deve ser aprovado nos Conselhos Universitários pelos seguintes motivos: 1º) o Intenso trabalho e pressão do movimento negro e social de todas as tendências e ideologias, especialmente nos últimos 5 anos; 2º) a grande Imprensa, apesar de ter em seus editais uma postura contrária a estas conquistas do povo negro, seus jornalistas fizeram algumas matérias emblemáticas que escancararam a exclusão das Universidades Públicas Paulistas; 3º) votação no STF com resultado de dez a zero a favor das cotas étnicas; 4º) votação pelo Congresso Nacional da Lei 12.711 de 29 de agosto de 2012 que definiu as cotas étnicas e sociais (mistas) como uma Política de Estado e não de Governo.
Teve apenas um voto contrário. Hoje, o partido que votou contrário quer se redimir e reconhecer os direitos do nosso povo negro. Devemos aceitar ou proibir que ele reconheça, seus erro?; 5º) em 2012 tivemos algumas reuniões com o Governador de São Paulo. Fizemos “Panfletagem” dentro do Palácio Bandeirantes do Jornal da Educafro, cuja manchete principal era a intimação da USP por parte dos Desembargadores. Este trabalho de militância foi decisivo. Isto levou o Governador a tomar a decisão de convocar os Reitores. Ficou muito delineado: Autonomia Universitária não pode ser maior do que a Constituição da Nação. A meritocracia injusta, enfim, foi golpeada e cede lugar à construção de uma meritocracia que se abre para a visão de justiça e oportunidades iguais; 6º) processo aberto no TJ-SP pela Educafro e CEERT prosperou, para espanto da USP.
Em 2012, através de sugestão da Educafro, os Desembargadores convocaram a USP para uma Audiência de Conciliação. A USP respondeu que já estava fazendo o que a Audiência iria Conciliar; 7º) frente a esta postura da USP a Educafro solicitou aos Desembargadores que mantivessem o processo em aberto, até as três universidades colocarem em prática seus programas e se confirmarem como razoáveis, atendendo às expectativas do reclamante.
O Governo e as Universidades sabem que, caso não atendam as nossas solicitações, através deste mesmo processo recorreremos ao STF. Esta é a estratégia que já está montada, após várias reuniões de reflexão.
E, finalmente, em oitavo lugar, os assessores destacados pelo Governo do Estado fizeram um bom trabalho junto aos três Reitores e eles concluíram que não têm mais para onde correr. É uma forte vitória do movimento social e jogar esta conquista no lixo seria uma falta de visão. Nas Universidades Federais e Estaduais em que o Reitor foi favorável às cotas e colocou em votação no seu Conselho Universitário, a aprovação foi certa e imediata. Quando o Reitor foi contrário, a proposta não prosperava.
O maior sofisma que até hoje elas, especialmente a UNESP, tentam impor à sociedade é que elas têm uma percentagem X “bastante considerável” de alunos provenientes da rede pública. Só que as meias verdades têm pernas curtas, pois, no caso da outra universidade, a UNESP, nos 10 cursos mais disputados pelas elites, eles apresentam zero por cento de negros matriculados. Absurdo. O movimento negro e social trabalhou muito e intensamente nestes 20 anos para mudar esta realidade. A exclusão do negro na USP, UNESP e UNICAMP hoje é tão gritante que elas mesmas têm vergonha de mostrar, sem sofismas, seus dados estatísticos.
Afropress - Quais os pontos que o senhor destaca com mais positivos no projeto?
Frei David - O miolo central do projeto foi copiado e entra em sintonia com o Congresso Nacional que definiu as cotas como política de Estado e reproduz a percentagem de 50% e a define como mínima.
Na nossa reunião com o Governador [Geraldo Alckmin], em julho de 2012, esta foi uma condição para não fazermos acampamento em frente ao Palácio: que se partisse do mínimo aprovado no Congresso Nacional. É o piso e não o teto. Esta percentagem será por curso e turno.
Assim, na Medicina e demais cursos que só a elite tinha acesso assegurado pela meritocracia injusta, teremos esta hegemonia quebrada. A exemplo do Projeto do Congresso Nacional, a proposta Estadual inclui também os cursos técnicos e Tecnológicos nas Cotas.
Os avanços em relação ao projeto do Congresso Nacional, o qual a Educafro também ajudou a conquistar – levando em várias ocasiões, ônibus de militantes, investindo muito dinheiro na luta – enfrentando muitas dificuldades em cada etapa provocadas pelos partidos contrários, são: a) a bolsa não é só para quem estuda acima de 5 horas diárias.
Aqui está um equivoco do Governo Federal e a militância está equivocadamente calada; b) no Projeto do Estado de São Paulo, a bolsa será destinada para todos os cotistas que recebem até um salário mínimo e meio como renda per capita. Não importa a quantidade de horas que o universitário estuda por dia. Se é pobre, precisa urgentemente desta ajuda.
Temos expectativas positivas de que o Governo Federal vai rever o perfil dos destinatários das bolsas voltadas para a sustentabilidade dos cotistas. É um erro grave limitar só aos que estudam mais de 5 horas; b) criação do “college” com duração de dois anos. Com ele os alunos que obtiverem média 7 poderão ingressar direto para o curso de Medicina, por exemplo, sem precisar de se submeter a um vestibular injusto e feito para dar acesso às elites com o exercício da meritocracia injusta; c) de acordo com o ponto de vista de cada um que analisa, o “college” é um Curso Superior ou um Pré-vestibular diferente. Acolhemos as duas dimensões com tranquilidade.
Não dependerá de nós o “college” ser um curso superior ou um pré-vestibular e sim, unicamente do aluno beneficiado. Se eu fosse um aluno negro, da rede pública interessado em Medicina, iria fazer do “college” o melhor pré-vestibular do mundo. Ele vai me possibilitar conquistar uma vaga num curso disputado e cobiçado sem fazer o vestibular injusto. Porque alguns militantes não conseguem enxergar esta vantagem? Será que é uma oposição só porque é o PSDB?;d) os alunos participantes do “college” com renda per capita de um salário mínimo e meio, receberão bolsas de estudo; e) se estou interessado num concurso público, vou ter um diploma de ensino superior e vou disputar esta vaga com a classe média que, mais de 80%, em alta percentagem disputam todos os concursos públicos disponíveis, após gastar muito dinheiro com cursos particulares preparatórios para ingresso em concurso público.
O pobre agora poderá prestar concursos públicos com chance. E vai se preparar ganhando uma bolsa;f) os Pré-vestibulares da Educafro nasceram para denunciar a omissão do estado com o direito à Educação de qualidade para negros e pobres.
Desde o nosso nascimento como instituição cuja missão é a Inclusão temos afirmado que nossa grande meta é celebrar o dia da nossa morte. Em outras palavras: o “college” dando certo, iremos exigir do Estado que garanta independente de limite de vagas, “vollege” para todos os alunos da Rede Pública que concluem o Ensino médio. Conquistando este novo patamar, poderemos fechar os pré-vestibulares comunitários e focar nossa luta em outras batalhas e não mais em pré-vestibulares; g) o projeto do Estado de São Paulo, a exemplo do projeto do Congresso Nacional, trabalha com metas de inclusão por cursos e turnos.
Os dois projetos, não considera o que já tem de inclusão nas respectivas universidades. Os dois falham nisto; h) Cada ano as universidades têm que atingir os percentuais mínimos estabelecidos. O que será a mola propulsora da inclusão e que poucos têm se atinado é que, em alguns cursos os ricos não querem entrar, como pedagogia, letras, serviço social etc. Nestes cursos, rapidamente chegaremos, nos dois projetos, a 90% de ocupação com alunos da rede pública; i) outros cursos, como Medicina, iremos extrair dos ricos a obrigação de devolver aos pobres e negros, no mínimo, 50% das vagas roubadas sistematicamente ao longo de todos estes anos.
Afropress - A que o senhor atribui à resistência de alguns setores do Movimento Negro à proposta?
Frei David - Talvez a culpa esteja no Governo Estadual que ainda não revelou para a sociedade o projeto na íntegra. O conteúdo divulgado deixa interrogações e estas interrogações dá aos que são contra só porque é bonito ser contra, muito combustível para fazer manipulações com pessoas e entidades de boa fé. Olhando por outro ângulo, talvez o Governo esteja agindo com prudência, esperando que os Conselhos Universitários primeiros façam suas contribuições e depois sim, divulgará com toda ênfase.
A Educafro por ter aplicado a estratégia de forçar o diálogo, teve acesso e brigou muito para fazer a proposta avançar e chegar aonde chegou. Foi a mesma coisa com o projeto do Congresso Nacional: participamos de mais de 10 reuniões estratégicas para chegar ao projeto que a oposição poderia, com muita dificuldade aceitar ou deixar avançar. É a arte de avançar a partir da negociação, onde a relação ganha-ganha precisa prevalecer.
Afropress - O Governo do Estado, sob o comando do PSDB sempre se colocou contra as cotas raciais no acesso a Universidade? A que o senhor atribui a mudança de posição?
Frei David - Pressão popular. A Educafro, por exemplo, não teve um mês que não fazia pressão. Não descolou do Governo. Os partidos estão revendo suas práticas. Isto é muito bom e a nossa comunidade negra precisa saber aproveitar estes momentos de nocaute do outro na busca de objetivos concretos para o nosso povo. Só quem não quer enxergar não percebe que o PSDB não tem outra opção: ouve o clamor do povo ou fica sem povo. Eles concluíram que é um grave erro não ouvir os gritos das ruas dos movimentos organizados.
Talvez, o movimento popular que mais seja ouvido hoje no Brasil é o movimento negro. Somos o setor que mais atingimos conquistas inesperadas, tamanha a oposição das classes dominantes. Tivemos fortes oposições do “quarto poder”, porém vencemos o “quarto poder.
Tivemos fortes oposições de setores dos intelectuais, mas vencemos estes setores. Se eu, militante negro, frei David, morresse hoje, podem ter certeza: estariam enterrando umas das pessoas mais felizes e realizadas do mundo.
O Prefeito ACM Neto, lá em Salvador, Bahia, sabendo que iria ter muita pressão popular no próximo mês de maio de 2013, já definiu e avisou que quer cotas para negros no serviço público.
O Governo Alckmin e o Governo Dilma, nesta pauta específica de Cotas para negros no Serviço Público ainda estão em cima do muro. O DEM de ACM Neto já saiu do muro. O Prefeito de São Paulo Haddad também está sendo sábio. Está ouvindo o grito que vem das ruas. Após sua eleição e antes de sua posse, o primeiro protesto em frente à Prefeitura foi de um setor da comunidade negra exigindo cotas para negros no serviço público. Ele já solicitou ao Secretário Netinho que dê andamento a esta demanda.
Aqui está o equivoco de algumas entidades do movimento negro. Elas não estão valorizando o poder de convencimento da luta que todos empreendemos ao longo destes anos. Elas esquecem que a meta de inclusão do povo negro deve ser conquistada junto a qualquer partido que assume o poder e não só junto aos partidos de esquerda. Temos que convencer todos os governantes e cobrá-los no sentido de terem sensibilidade para ouvir o clamor do povo negro que vem das ruas.
Afropress - Faça as considerações que julgar pertinentes.
Frei David - Nossa meta enquanto entidade Educafro, não para por aí. Sabemos que, de cada 100 pessoas que terminam o ensino médio no Brasil, 88% o concluem pela Rede Pública. Logo, esta é a percentagem de cotas que iremos exigir dentro de 3 a 5 anos.
Vamos lutar para que o “college” não se limite a receber só dois mil alunos. Não atende a forte e volumosa demanda por qualidade que vem da rede pública. Vamos solicitar que as aulas online sejam disponibilizadas e cada escola pública forme um grupo de tutores, voluntários ou contratados, para coordenar e motivar os alunos que ainda estão estudando na rede pública e os já concluintes (e que moram naquele bairro) a fazerem livremente este “college”. Dando este passo teremos uma melhoria substancial do ensino médio no Estado.
Conclamamos o Governo do Estado a receber o conjunto do movimento negro/ social e não só os que têm lhe procurado insistentemente. Portanto, pedimos a Afropress para ajudar na divulgação deste encontro. Todas as entidades estão convidadas e devem ir para lá com o espírito propositivo de ajudar o Governo a perceber onde pode melhorar na implantação deste projeto. Devem se despir da bandeira de seu partido e ir revestido da importância histórica deste momento. O nosso trabalho de militantes convictos estará proporcionando ao povo negro anos de transformações.
Fotos internas: agenciabrasil.ebc.com.br,sankofaamazonia.wordpress.com
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Presidência da República |
DECRETO Nº 7.824, DE 11 DE OUTUBRO DE 2012
Regulamenta a Lei no 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. |
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 12.711, de 29 de agosto de 2012,
DECRETA:
Art. 1o Este Decreto regulamenta a Lei no 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio.
Parágrafo único. Os resultados obtidos pelos estudantes no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM poderão ser utilizados como critério de seleção para o ingresso nas instituições federais vinculadas ao Ministério da Educação que ofertam vagas de educação superior.
Art. 2o As instituições federais vinculadas ao Ministério da Educação que ofertam vagas de educação superior reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo cinquenta por cento de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, inclusive em cursos de educação profissional técnica, observadas as seguintes condições:
I - no mínimo cinquenta por cento das vagas de que trata o caput serão reservadas a estudantes com renda familiar bruta igual ou inferior a um inteiro e cinco décimos salário-mínimo per capita; e
II - proporção de vagas no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação do local de oferta de vagas da instituição, segundo o último Censo Demográfico divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, que será reservada, por curso e turno, aos autodeclarados pretos, pardos e indígenas.
Parágrafo único. Para os fins deste Decreto, consideram-se escolas públicas as instituições de ensino de que trata o inciso I do caput do art. 19 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Art. 3o As instituições federais que ofertam vagas de ensino técnico de nível médio reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de nível médio, por curso e turno, no mínimo cinquenta por cento de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino fundamental em escolas públicas, observadas as seguintes condições:
I - no mínimo cinquenta por cento das vagas de que trata o caput serão reservadas a estudantes com renda familiar bruta igual ou inferior a um inteiro e cinco décimos salário-mínimo per capita; e
II - proporção de vagas no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação do local de oferta de vagas da instituição, segundo o último Censo Demográfico divulgado pelo IBGE, que será reservada, por curso e turno, aos autodeclarados pretos, pardos e indígenas.
Art. 4o Somente poderão concorrer às vagas reservadas de que tratam os arts. 2o e 3o:
I - para os cursos de graduação, os estudantes que:
a) tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, em cursos regulares ou no âmbito da modalidade de Educação de Jovens e Adultos; ou
b) tenham obtido certificado de conclusão com base no resultado do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, de exame nacional para certificação de competências de jovens e adultos ou de exames de certificação de competência ou de avaliação de jovens e adultos realizados pelos sistemas estaduais de ensino; e
II - para os cursos técnicos de nível médio, os estudantes que:
a) tenham cursado integralmente o ensino fundamental em escolas públicas, em cursos regulares ou no âmbito da modalidade de Educação de Jovens e Adultos; ou
b) tenham obtido certificado de conclusão com base no resultado de exame nacional para certificação de competências de jovens e adultos ou de exames de certificação de competência ou de avaliação de jovens e adultos realizados pelos sistemas estaduais de ensino.
Parágrafo único. Não poderão concorrer às vagas de que trata este Decreto os estudantes que tenham, em algum momento, cursado em escolas particulares parte do ensino médio, no caso do inciso I, ou parte do ensino fundamental, no caso do inciso II do caput.
Art. 5o Os editais dos concursos seletivos das instituições federais de educação de que trata este Decreto indicarão, de forma discriminada, por curso e turno, o número de vagas reservadas.
§ 1o Sempre que a aplicação dos percentuais para a apuração da reserva de vagas de que trata este Decreto implicar resultados com decimais, será adotado o número inteiro imediatamente superior.
§ 2o Deverá ser assegurada a reserva de, no mínimo, uma vaga em decorrência da aplicação do inciso II do caput do art. 2o e do inciso II do caput do art. 3o.
§ 3o Sem prejuízo do disposto neste Decreto, as instituições federais de educação poderão, por meio de políticas específicas de ações afirmativas, instituir reservas de vagas suplementares ou de outra modalidade.
Art. 6o Fica instituído o Comitê de Acompanhamento e Avaliação das Reservas de Vagas nas Instituições Federais de Educação Superior e de Ensino Técnico de Nível Médio, para acompanhar e avaliar o cumprimento do disposto neste Decreto.
§ 1o O Comitê terá a seguinte composição:
I - dois representantes do Ministério da Educação;
II - dois representantes da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República; e
III - um representante da Fundação Nacional do Índio;
§ 2o Os membros do Comitê serão indicados pelos titulares dos órgãos e entidade que representam e designados em ato conjunto dos Ministros de Estado da Educação e Chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República.
§ 3o A presidência do Comitê caberá a um dos representantes do Ministério da Educação, indicado por seu titular.
§ 4o Poderão ser convidados para as reuniões do Comitê representantes de outros órgãos e entidades públicas e privadas, e especialistas, para emitir pareceres ou fornecer subsídios para o desempenho de suas atribuições.
§ 5o A participação no Comitê é considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.
§ 6o O Ministério da Educação fornecerá o suporte técnico e administrativo necessário à execução dos trabalhos e ao funcionamento do Comitê.
Art. 7o O Comitê de que trata o art. 6o encaminhará aos Ministros de Estado da Educação e Chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, anualmente, relatório de avaliação da implementação das reservas de vagas de que trata este Decreto.
Art. 8o As instituições de que trata o art. 2o implementarão, no mínimo, vinte e cinco por cento da reserva de vagas a cada ano, e terão até 30 de agosto de 2016 para o cumprimento integral do disposto neste Decreto.
Art. 9o O Ministério da Educação editará os atos complementares necessários para a aplicação deste Decreto, dispondo, dentre outros temas, sobre:
I - a forma de apuração e comprovação da renda familiar bruta de que tratam o inciso I do caput do art. 2o e o inciso I do caput do art. 3o; e
II - as fórmulas para cálculo e os critérios de preenchimento das vagas reservadas de que trata este Decreto.
Art. 10. Os órgãos e entidades federais deverão adotar as providências necessárias para a efetivação do disposto neste Decreto no prazo de trinta dias, contado da data de sua publicação.
Art. 11. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 11 de outubro de 2012; 191º da Independência e 124º da República.
DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Aloizio Mercadante
Gilberto Carvalho
Luiza Helena de Bairros